Trajetória nos concursos - Priscila Ramineli

By | julho 24, 2020 Leave a Comment


Trago hoje a trajetória da Priscila Leite, promotora do MPRS e ex juíza do TJSP. Ela comenta as razões que levaram a troca. Recentemente escrevi sobre o tema (eu troquei o TJSP pelo MPF) e temos em comum o apego pelo poder de agenda, de escolher temas pelos quais temos interesse. É interessante destacar também como Priscila passou por dois concursos extremamente difíceis mas, aqui e ali, achava que não tinha mais condições de competir. Foi indo... e passou! No final das contas, após o filme que passa na cabeça ao pedir exoneração, vingou a vocação dela, que é ser Promotora de Justiça! Parabéns, Priscila!

Meu querido amigo Julio me convidou a escrever sobre minha trajetória concurseira, mas em especial, para falar o porquê de eu ter trocado a magistratura do maior tribunal do país (TJSP) pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul.

Minha trajetória, de certa maneira, começou ainda na faculdade. Dentre os anos de 2010 a 2012, fui estagiária do MPF na PR de São Paulo. Foi o estágio com que mais me identifiquei. A independência funcional e a possibilidade de atuação proativa para contribuir com a transformação social incutiram em mim o sonho de ser membro do MP. Quando eu me formei, portanto, já sabia o que eu almejava.

Mas era necessário alcançar os 3 anos de prática jurídica. Durante esse tempo, trabalhei por alguns meses em um renomado escritório de advocacia criminal de São Paulo e depois fui aprovada no concurso de tenente da Força Aérea Brasileira, onde fiquei por quase 3 anos.

Feito meu pé de meia inicial depois de completar os 3 anos de prática, o que, de certa forma, era meu plano inicial, resolvi sair da FAB para me dedicar quase que exclusivamente aos estudos. Nessa época, eu morava em Canoas/RS e, como sou natural de São Paulo, meus únicos conhecidos eram pessoas do trabalho na FAB.

Como sempre gostei muito de assistir aulas, me matriculei em um cursinho anual de Porto Alegre. Optei inclusive por fazer a modalidade presencial já que eu praticamente não tinha amigos no sul. Conhecer pessoas, fazer verdadeiras amigas no meio dessa jornada foi fundamental para dividir angústias, derrotas, vitórias, trocar experiências e manter minha estabilidade emocional.

Confesso que minha meta inicial era ser Procuradora da República e foquei os estudos no MPF. Mas após pouco mais de 3 meses de estudos, saiu o edital para o MPRS. Obviamente, pensei que eu não tinha a menor chance de passar, já que eu mal havia começado a estudar, mas como era MP e para o estado onde eu e meu marido residíamos, resolvi me inscrever e prestar a prova. Para tanto, mudei um pouco o enfoque dos estudos, focando na esfera estadual.

Com o aprofundamento do estudo nas matérias estaduais, comecei a me questionar se eu queria mesmo trabalhar na esfera federal, pois fui me apaixonando pela seara estadual e cada vez mais eu me inscrevia em concursos estaduais.

Demorei alguns meses até achar minha rotina de estudos, mas basicamente, era a seguinte: de manhã, assistia aulas online (quando acabei meu curso anual presencial, resolvi fazer outro anual online, focado em Magistratura e Ministério Público estaduais), de tarde lia doutrina e meus cadernos. Eu amava fazer resumos de doutrina, os quais foram muito úteis para meus estudos de revisão para prova oral. Demorei muito para começar a fazer questões e a acompanhar jurisprudência pelo Dizer o Direito.
Só percebi a importância de fazer questões e ler os informativos do DOD quando fui reprovada na 1° fase do MPRS, em que tive um desempenho mediano, que me deixou bem desanimada. Para a minha sorte (e acreditem, sorte é um fator minimamente importante nos concursos), essa prova foi anulada e outra foi remarcada cerca de 6 meses depois!

Muitos candidatos ficaram tristes com a anulação daquela prova de 1ª fase; já eu fiquei feliz: era uma nova chance para mim.

A partir daí, comecei a pegar muitas provas de concursos semelhantes anteriores e resolvê-las semanalmente, inclusive fazendo aquilo que eu chamava de “mapear a prova”, para entender o que era mais cobrado e em quais matérias e assuntos eu deveria focar.

Na nova prova objetiva do MPRS, fiquei por 1 ponto da nota de corte. Mais uma vez, frustração. Entrei com Mandado de Segurança, ganhei liminar, mas no mérito perdi. Tinha desistido do MPRS.

Nesse ínterim, abriu concurso do TJSP. Como tenho família em São Paulo, resolvi prestar. Mais uma vez, com mais de 20 mil pessoas inscritas, achei que não tinha a menor chance de passar, especialmente porque em magistratura cai bastante empresarial e tributário, matérias que eu não dominava muito. Fui totalmente desencanada para a 1º fase do TJSP, muito embora tenha feito um esforço para aprender essas matérias.

Para minha surpresa, passei na 1° fase do TJSP com a nota de corte. Aliás, o fato de eu ter ido tranquila para a prova me ajudou, pois a autocobrança diminuiu. Foi uma felicidade tremenda, era a 1° vez que eu faria uma prova de 2° fase. Apostei todas minhas fichas nisso e fui apreciando a ideia de me tornar juíza. Para a 2ª fase, busquei cursinhos especializados em provas dissertativa e de sentenças, entrei em grupos de estudos para compartilhar resumos de obras dos examinadores e li muitos acórdãos dos membros da banca.

Pouco tempo depois de ter feito a 2ª fase do TJSP, veio a notícia de que eu havia sido beneficiada com um Mandado de Segurança de outro concurseiro do MPRS e por isso, estava aprovada para a 2ª fase! Novamente, procurei cursinhos especializados em 2ª fase e aprofundei os estudos em áreas sensíveis para o MP.

Para as provas orais, também procurei cursinhos especializados e cursos de oratória. Muitos treinos de Skype com colegas de concurso, muita leitura dos meus cadernos de aula e de resumos. Nessa época, eu praticamente não estava mais advogando, estudava 10 horas por dia, em média, inclusive aos finais de semana.

Veio a aprovação e posse no TJSP. Uma felicidade inexplicável de ter um cargo excepcional, no meu estado de origem, mas, ao mesmo tempo, um medo grande de ser juíza!

O primeiro mês na comarca foi bem difícil: ficava com muitas dúvidas sobre prender ou não alguém, conceder ou não uma liminar. Fora o volume absurdo de trabalho da comarca, que estava sem juiz titular há bastante tempo. Paralelamente a isso, meu marido continuava no Rio Grande do Sul, por ser concursado lá, o que me fazia viajar praticamente todo final de semana para encontrá-lo em nossa casa.
Eu já estava muito satisfeita em ser juíza quando chegou a notícia de que estava aprovada para fazer a prova oral do MPRS. Eis que surgiu a dúvida: devo prosseguir nesse concurso? Havia muitos prós e contras, mas, na dúvida, resolvi seguir tentando e estudando em horários bizarros para conciliar a magistratura com os estudos.

Quando fui aprovada na prova oral e depois na prova de tribuna, veio uma nova indecisão: devo trocar a magistratura pelo MP? De todas as decisões difíceis que tive que tomar no TJ, pedir exoneração, sem sobra de dúvidas, foi a mais difícil. Chorei muito sozinha no fórum, na minha sala de audiência.

De um lado, havia a vontade de ficar em São Paulo, meu estado, o orgulho profissional de ser juíza, com um salário superior ao do MPRS. De outro lado, havia o sonho antigo de ser Promotora de Justiça, a existência de uma série de processos de assuntos chatos com que eu definitivamente não gostava de ter que trabalhar e meu esposo no Rio Grande do Sul, com uma perspectiva ruim de trabalho em São Paulo.

Tive que ponderar tudo isso. Demorei mais de 1 semana para enviar o pedido de exoneração do TJSP que havia redigido; me faltava coragem de mandá-lo. Mesmo depois de ter enviado o pedido, ficaram dúvidas se eu havia tomado a decisão certa. Trabalhei literalmente até a véspera de tomar posse no MPRS, para fazer o melhor possível naquela minha comarca.

Praticamente 1 ano depois de vestir a toga com o cordão vermelho, não tenho dúvidas de que fiz a melhor escolha. Muitos me perguntam se eu não me arrependo de ter largado o TJSP, mas a minha resposta é negativa.

Sou uma profissional mais feliz no Ministério Público. Confesso a vocês que encontrei uma estrutura de trabalho muito melhor no MPRS do que aquela que eu tinha no TJSP. Apesar do volume pesado de trabalho que também possuo no MP, a grande maioria das matérias com que atuo são matérias que gosto, diferente do que acontecia no TJ. O Ministério Público me permite atuar de forma proativa e selecionar aquilo de relevo com que devo trabalhar, o que inexiste na Magistratura.

Evidentemente, quando algum juiz profere alguma decisão com a qual eu não concordo, dá uma saudadezinha de possuir a palavra final no processo, de decidir. Mas faz parte do jogo, da escolha que fiz. Não se pode ter tudo. O jeito é recorrer.

O tempo de magistratura foi extremamente gratificante, mas vocação não tem preço. A minha é de ser Promotora de Justiça.

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