Sublinhar ou resumir? Ler de capa a capa ou usar resumos? Intercalar ou não? Sobre a confusão entre interesse e opção e o problema do ponto cego

By | julho 09, 2020 2 comments



O tempo passa, mas as dúvidas mais levantadas por concurseiros, iniciantes ou não, parecem ser as mesmas: devo sublinhar ou resumir? Ler livro de capa a capa ou materiais curtos? Intercalo ou não as matérias? Algo que sempre me vem à mente é que essa série de dúvidas corresponde a meras "OPÇÕES",  e não a "INTERESSES". A clareza sobre essa diferença entre OPÇÃO e INTERESSE pode trazer maior segurança no enfrentamento desses dilemas.

O livro "Como chegar ao sim!" é um clássico livro sobre como negociar  e trabalha essa diferença entre OPÇÃO E INTERESSE. Embora o nome possa sugerir algo mais midiático (como típico livro de "autoajuda"), na verdade é algo bem técnico, com pesquisa e informações bem sistematizadas, construídas no âmbito do projeto de negociação de Harvard. Talvez seja o maior clássico sobre como negociar, pois apresenta uma metodologia eficaz para diversos cenários: da compra em loja à diplomacia e aos acordos de colaboração premiada. E mais: serve para o enfrentamento de dilemas pessoais (como, por ex., quando temos que decidir ante interesses aparentemente conflitantes que nós mesmos possuímos).

Uma ideia central do livro é que, para a negociação eficiente, é importante identificar os INTERESSES que movem as escolhas para, após, desenhar OPÇÕES que atendam mutuamente às necessidades envolvidas. Um exemplo: Israel, após a Guerra dos Seis Dias, ocupava a Península do Sinai, pertencente ao Egito. Egito encarava aquilo como afronta a sua soberania, porquanto o local era de sua propriedade desde a época dos faraós. Por outro lado, Israel via a Península como indispensável para a sua segurança, pois não queria egípcios estacionados em sua fronteira. Diversos mapas com possíveis linhas de fronteira foram discutidos sem sucesso. O acordo, porém, saiu em Campo David: o Sinai seria devolvido ao Egito, desde que grandes áreas do território fossem desmilitarizadas. 

Definidos os INTERESSES, desenham-se OPÇÕES, como aquela que encerrou o conflito acima. Sucede, todavia, que o mero fato de uma OPÇÃO ter sido suficiente para resguardar certo INTERESSE em certo contexto NÃO significa que funcionará em outro! A variação de termos de armistício demonstra, historicamente, como cenários hostis são encarados de diferentes formas. No direito de família, o mesmo modelo de acordo, que, por vezes, resolve muito bem conflitos em audiências (conciliando interesses, se existentes, de convivência com a criança e/ou de pensão/partilha), pode ser aviltante para outro participante de negociação similar!

Isso não quer dizer que a experiência alheia seja irrelevante! No meio dos concursos, os vários relatos de aprovados e professores evidenciam que existe um cardápio rico e variado de OPÇÕES para resguardar certos INTERESSES (sobre como enfrentar a curva do esquecimento, por ex.), mas isso não é jamais simplesmente maximizável! Não basta escolher um método bem sucedido e cumpri-lo à exaustão, esperando, pura e simplesmente, os resultados chegarem... 

Mas o que impede essa indução de que, se a opção funcionou para muitos, funcionará para mim? Por um fator simples: cada pessoa é única e irrepetível, assim como cada divórcio, armistício e conflito são únicos e irrepetíveis. Temos perfis, condições, traumas e vivências diferentes.  É o que tenho chamado de "ponto cego" dos métodos.

Como já escrevi em outra oportunidade, Luhmann, sociólogo, dizia que toda visão tem um ponto cego, o que me parece servir TANTO para quem é aprovado e expõe seu método QUANTO para o candidato que escolhe uma forma de estudar. Os pontos cegos podem ser divididos em dois grupos: (i) habilidades JÁ conquistadas ou NÃO conquistadas, ou seja, de onde partiu; (ii) e fatores psicológicos ou “perfil pessoal”.

Quanto às habilidades JÁ conquistadas, penso que os resultados obtidos nas provas não nascem exatamente do dia em que se começou a estudar especificamente para concursos. Eu, por ex., não listei na minha bibliografia algum livro de humanística. Não foi, certamente, por considerar irrelevante o seu estudo. Mas pelo fato de que estudei bastante o assunto, tanto que fiz mestrado na área teórica e fui monitor de TGD durante a graduação. De igual modo, não fiz curso de peças, mas tinha sido advogado e era assessor de Desembargador. A primeira ACP e o primeiro RSE que fiz foram exatamente no dia da prova escrita da defensoria pública, na qual logrei aprovação.

As habilidades NÃO conquistadas também fazem parte do ponto cego: a dificuldade com português (o que pode trazer prejuízos na segunda fase e na prova oral), a baixa assertividade (torna pessoa muito vulnerável nas provas orais) e a falta de base na faculdade em determinada matéria. Ler o volume ÚNICO de CPC, com maior densidade, é bem mais fácil, por ex., para quem já tem pré-compreensão ou atuação prática.

A respeito do ponto cego de “perfil pessoal”, (i) existem pessoas que lidam bem com vulnerabilidades (conseguem ir fazer a prova tranquilamente mesmo sabendo que não localizam bem os assuntos na lei ou que não leram os informativos, "porque caem menos para certa banca"); (ii) outras que são mais visuais, auditivas ou cinestésicas; (iii) umas que facilmente procrastinam se não tiverem uma meta de curto prazo ou resultados rápidos (precisam de alguém para praticamente "dar a mão...") etc.

No meu caso, a opção de "fazer questões" não tinha sentido porque obtive resultado em provas objetivas independentemente disso (interesse resguardado). Claro que eu tinha um perfil específico, com facilidade de pensar em abstrato e hábito de não fazer questões há muito tempo (nos estudos para o vestibular, por ex.). 

De igual modo, a opção de sublinhar não era útil para mim, pois sou mais cinestésico (aprendo mais com as minhas próprias palavras). Ler diretamente no site do planalto ou no computador (já tentei fazer) seria opção que não resguardaria o interesse de reter as informações (fico disperso e me perco). 

Por seu turno, o ato de intercalar matérias me incomodava, pois parecia que uma história tinha sido interrompida pela metade (e o INTERESSE subjacente ao ato de intercalar, consistente em evitar o esquecimento e a monotonia, não estava em risco comigo). As revisões eram rápidas, o material era enxuto... e não dependia de cronograma rigorosamente determinado por ninguém (tinha maior autonomia). 

Outro exemplo é o meu interesse em não ter vulnerabilidade em relação a algo que outros candidatos poderiam razoavelmente dominar (informações de autores consagrados no meio dos concursos), de modo que, assim, optei por colmatar eventual déficit de informação/desatualização lendo livros inteiros (todos voltados para concurso), ao invés de materiais mais curtos e de autores desconhecidos. 

Com isso quero dizer que as OPÇÕES não devem ser algo eleito/executado para cumprir tabela ou por desencargo de consciência. Certamente Egito e Israel não aceitariam um acordo que não tivesse qualquer relação com seus interesses, como a mera entrega da Península do Sinai para o "adversário", sem contrapartida alguma, ou para a administração de um terceiro país. A OPÇÃO é algo que serve para atender a um INTERESSE... e essa correlação - é o mais difícil de assimilar - não é analisada "em abstrato": é aferível "em concreto" de acordo com o seu perfil/pontos cegos!

Nesse panorama, essa noção de ponto cego me trouxe as seguintes lições: (i) NÃO há receita pronta (o mesmo método produz resultados diferentes); (ii) e a forma IMPERATIVA – que, muitas vezes, flerta com interesses comerciais – me parece inadequada: cria a ilusão de que determinadas escolhas, como fazer questões ou adquirir certos serviços ou produtos, são condição sine qua non para a aprovação.

Vale a pena pensar sobre isso para não encarar uma "mera opção" como sinônimo de "realização do interesse", por maior que seja o argumento de autoridade. Na vida e nas negociações, o norte não é ser EFICAZ (cumprir algo proposto), mas também ser EFICIENTE (alcançar um interesse)! 




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