Por que troquei a magistratura no TJSP pelo MPF?

By | julho 07, 2020 2 comments




A pergunta que talvez eu mais responda é sobre a troca da carreira da magistratura do TJSP pelo Ministério Público Federal. Normalmente as pessoas dizem que a magistratura tem maior reconhecimento social (de fato, poucas pessoas, pelo “nome do cargo”, sabem o que faz um “Procurador da República"), o “poder de decidir” e, no caso do TJSP, uma remuneração e lotações melhores. Como, então, optar pelo MPF?

Bom, antes de ser Procurador da República (a trajetória completa está em aba própria no BLOG), eu fui juiz de direito no TJSP e TJRS. Já assessorei desembargador no TJES em Câmara Cível. E advoguei na parte tributária contenciosa e administrativa. Paralelamente a isso, tive vivência acadêmica no mestrado em Retórica Jurídica – que ensejou o livro que publiquei –, na monitoria de Teoria Geral do Direito e nos programas de iniciação científica da graduação na UFES. Meu único estágio foi na AGU.

Não tive, então, experiência do lado da defensoria e do MP, embora soubesse bem dos temas afetos, tanto que logrei aprovação em concurso da Defensoria do ES, estado onde vivia. Mas o edital de concurso é uma coisa e a atuação é outra. Há repetições, massificações, implementações de rotinas…. Conhecer a carreira é fundamental para uma escolha não idealizada. Há defensorias mais estruturadas e menos estruturadas. Tribunais informatizados e não informatizados. Carreiras mais independentes e menos independentes. Lotações mais engessadas ou flexíveis. Variações de remuneração e regime jurídico. O ramo de atuação pode ser interessante, mas a estrutura de trabalho pode ser precária.

E por aí vai… sobre o tema, não basta conversar apenas com um membro, pois o tópos de que “a grama do vizinho é mais verde” e a hipertrofia dos pontos negativos são traços bem comuns em diversas pessoas e não são bons conselheiros. De forma bem simples: quando estava no TJSP e tinha sido aprovado para o MPF, muitos colegas do TJSP me diziam para “ir, sem medo, para o MPF!”, ao passo que muitos futuros colegas do MPF me falavam para “ficar aí no TJSP!”. Claro, quem não tem a melhor estrutura de trabalho tende a dar valor a isso; quem não tem, comparativamente, a melhor remuneração tende a conferir maior peso a esse ponto.

Sendo pragmático como sou, penso que a maturidade na escolha da carreira vai, portanto, bem além do truísmo de “quem denuncia”, “quem defende” e “quem tem a caneta”, até porque é uma grande ilusão imaginar que o dia a dia envolve apenas atos postulatórios/decisórios em processos contenciosos. O juiz, por ex., reserva grande parte de seu dia a presidir audiências, tem que impulsionar diversos procedimentos sem litígio (inventários e execuções fiscais, com acessos a infinitos sistemas, muitos dos quais lentos), bem como está profundamente afogado em litígios de massa (como questões bancárias, na justiça estadual, e previdenciárias, na justiça federal). A própria questão de “ter a caneta” tem maior sentido em liminares e em sentenças absolutórias (já que dificilmente um acórdão condenatório conseguirá afastar a prescrição in concreto). Isso porque, com a quase “naturalização” da etapa recursal, a sentença vira uma mera etapa do processo contencioso. Por sua vez, o Ministério Público exige, por ex., a busca por endereço de testemunhas, analisar a prorrogação do prazo de finalização de inquérito policial e a apuração de crimes massificados da respectiva região (furto, tráfico e violência doméstica, na Justiça Estadual; contrabando e estelionato contra o INSS, na Justiça Federal).


O que me fez abrir mão da magistratura no TJSP (que remunera melhor, tem melhor lotação do que o MPF e era carreira na qual já tinha o “timing”, seja como juiz do TJRS, seja como assessor de 2º grau no TJES) pode ser resumido nos seguintes pontos: 

(i) o juiz não escolhe o que chega no judiciário (em razão da inércia), então aquilo que ele julga necessariamente é aquilo que os demais atores leva(ra)m até ele; 

(ii) de conseguinte, o juiz pode se interessar muito sobre um tema academicamente (como, por ex., processos estruturais ou questões afetas ao orçamento público), mas sempre dependerá de alguém pautar o assunto, o que pode nunca ocorrer (e... no meu caso, o “poder de agenda”, seja judicial ou extrajudicial, me traz maior satisfação intelectual e social, especialmente por existir boa “estrutura de trabalho”); 

(iii) o MP pode atuar no “presente”, por meio dos mecanismos extrajudiciais (acompanhando políticas públicas, negociando, expedindo recomendações etc); 

(iv) a atuação do MP tende a ser comparativamente mais criativa (desde decidir uma linha em procedimento extrajudicial, que é inquisitivo, à delimitação de perfil profissional mais “resolutivo” ou mais “contencioso”), de modo que decisiva parcela de sua atuação não PRECISA ser perante o juiz; 

(v) especificamente quanto ao MPF, tem infraestrutura comparativamente melhor, independência e volume, em regra, bem menor de audiências, além de ser carreira com pessoas muito qualificadas e que incentiva a especialização (por meio de Grupos de Trabalho e doutorado, por ex.); 

(vi) além disso, o MPF, diferentemente do que vejo costumeiramente ocorrer em outras carreiras, não é formado de ilhas (os membros se comunicam mais, com “horizontalidade”, sem excessivos formalismos ou deferências em razão da posição na carreira); 

(vii) o MPF ainda guarda posição de vanguarda em certos temas, como, por ex., na admissão da “seletividade regrada” em matéria penal (mitigando a “obrigatoriedade da ação penal” diante da inegável seletividade decorrente da escassez de recursos financeiros), o que pode, caso o membro esteja alinhando a tais tendências, viabilizar a atuação em questões mais relevantes ou impactantes; 

(viii) parece-me que a cultura do “administrador” (no lugar de “jurista”) se impôs de forma MUITO mais forte na magistratura, que tem que gerir – e acautelar – processos litigiosos ou não, com ou sem DP, com ou sem MP, com ou sem procuradoria pública, com ou sem particulares, enfim, tem que lidar com os monstruosos números que conhecemos, de modo que há “cultura” que interpreta o “bom juiz” como aquele que “limpa o acervo”, copiando e colando o primeiro julgado que surgir à frente (o que, aliás, gera ganhos pessoais, como a promoção por merecimento); 

(ix) em termos de direitos individuais, a magistratura, além de não poder se posicionar sobre certos temas, tem uma vigilância social muito mais forte, a impor maior cautela na segurança e nas relações pessoais (muitos se aproximam por interesse), o que me parece ser bem menor fora da magistratura (para quem não é muito vaidoso, o anonimato dá grande satisfação!).

Sobre a conciliação de estudos para outros concursos (como a magistratura estadual) e o MPF, eu destaco que o MPF vai exigir maior verticalidade em alguns ramos, como Direito Constitucional (que exige grande domínio de Teoria da Constituição), Proteção Internacional dos Direitos Humanos, Direito Internacional, Penal e Processo Penal. Nos demais ramos, é possível manter, em regra, o estudo habitual. Eu diria que, sendo já competitivo para outros concursos, é possível acrescentar a leitura dos seguintes materiais para tentar ser competitivo para o MPF: os livros do Daniel Sarmento (Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho), de André de Carvalho Ramos (Curso de Direitos Humanos), Portela (Direito Internacional) e o Santo Graal (resumo de aprovados para a fase oral do MPF).

Enfim, existem milhares de outros pontos a serem abordados, mas preferi focar nesses aspectos que, para mim, foram decisivos para optar por conciliar os estudos para o MPF e para, ao final, trocar a magistratura do TJSP pelo MPF, no qual tive a felicidade totalmente inesperada de passar em 1º lugar!

Gostaria de pontuar, como já disse em certa oportunidade, que ser aprovado em concurso dará realização FINANCEIRA e, caso tenha sincero interesse na função, realização PROFISSIONAL. A realização PESSOAL é, por vezes, deixada de lado. A maior parte das carreiras está significativamente engessada, ou seja, demora-se muito para se aproximar de grandes centros. Não há ainda permuta nos MPE's, nas magistraturas estaduais e nas DPE's. Enfim, a aprovação em concurso impõe, de certo modo, uma cultura "nômade" para a qual muitas vezes não estamos adaptados. A estrutura de trabalho pode não ser a ideal. Nesse panorama, não são poucos os que, antes “aposentados dos concursos”, voltam a campo para lutar por algo melhor!

Essa leitura não idealizada é importante para ajudar a embasar decisões pessoais (de limitar a distância geográfica admissível, por ex.), profissionais (de escolher carreira pela qual tem sincera admiração) e a ser grato. A rotina de estudos pode ser cansativa - e é -, assim como a autonomia financeira pode ser limitada, mas, em muitos casos, estamos estudando perto de pessoas que amamos e na região onde temos raiz. Como já disse no vídeo sobre o método de estudos, não troque a ansiedade dos concursos pela frustração na carreira!   

Pensem nisso e naquilo que tem relevância para você!



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2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. É maravilhoso poder ter feedbacks realistas do dia-a-dia, pós aprovação. As pessoas estudam muitas vezes achando que a coisa toda acabada na aprovação, mas pelo contrário, só começa.
    Eu gostaria que você dissesse algo acerca da Advocacia Pública, pode ser federal ou estadual. É minha área de interesse e quero confrontar com minhas ideias, sobre se estaria sendo idealizado demais rs. Pode ser um breve comentário por aqui.
    Grande Abraço.

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