Trago hoje a trajetória de Guilherme Roma Feliciano (@guilhermeroma_), aprovado para juiz do TJSP (188) e para Procurador do Estado de São Paulo (PGE-SP). O relato de Guilherme é emocionante. Enxergando a oportunidade de estudar como privilégio, teve a serenidade para manter a disciplina (que é o mais importante!) e o senso de responsabilidade inerente ao cargo. Como bem disse o Guilherme, "às vezes, superestimamos as dificuldades que se apresentam e, ao superá-las, nos envaidecemos demais com a vitória, o que pode ser uma grande armadilha. Por isso, eu vejo como fundamental a percepção de que, na realidade, poder estudar e lutar por um sonho é um privilégio inestimável. É nesse mundo desigual que vamos atuar e atentar para essa desigualdade é nosso compromisso. Somente com essa percepção é que podemos entender os nossos deveres fundamentais frente à sociedade no exercício cargo conquistado: é hora de retribuir". Parabéns, Guilherme! E aproveito também para agradecer os elogios, pelos quais fico honrado! Muitas felicidades e sucesso!
Em primeiro lugar, quero agradecer ao prof. Julio pelo convite para narrar minha trajetória e, mais do que isso, pela oportunidade de ter feito seu curso. No ambiente voraz dos cursinhos para concurso, o prof. Julio foge à regra. Em sua pessoa simples, humilde e carismática, reúnem-se o primor técnico, a didática lúcida e o rigor teórico. Dessa equação, resulta um curso de conteúdo denso e atmosfera leve, capaz de dar ao aluno a tranquilidade e a confiança necessárias para encarar a prova oral com entusiasmo.
Minha trajetória no estudo para concursos se iniciou ainda durante a Faculdade. Já no quarto ano do curso, em 2013, fiz meu primeiro concurso para a Defensoria Pública do Estado de São Paulo. No mesmo ano, tomei posse como escrevente técnico do TJSP e passei a conciliar a faculdade, o trabalho e os estudos.
Em 2014, no quinto ano da faculdade, tive que ajustar minha rotina e dividir minha energia entre o último ano da graduação, com TCC e tudo que isso envolve, e o estudo para a OAB e para os concursos. Naquele ano, fui aprovado na 1ª fase da DPE-PR e passei a estudar intensamente para a segunda fase, mas ainda sem qualquer método ou organização, apenas seguindo meus instintos. Muito imaturo, acabei reprovado na segunda fase. Ali se iniciava uma rotina muito desgastante e rigorosa.
No ano seguinte, primeiro ano de formado, iniciei um cursinho telepresencial no período da manhã. Além disso, assumi o cargo em comissão como assistente judiciário, que é privativo de bacharel em Direito. Saía do curso e ia direto para o trabalho. À noite, após as 19h, ia para a biblioteca da Faculdade em que me formei para estudar. Nessa época, eu saía de casa às 7:30 da manhã e só retornava após as 22h, quando fechava a biblioteca. No meio de 2015, consegui ser aprovado em mais uma primeira fase, dessa vez na DPE-SP. Ainda imaturo, reprovei novamente na segunda fase.
Em 2016, por conta da escassez de concursos, perdi o foco e o ano foi pouco produtivo. Como eu nunca tive uma rotina muito organizada de estudos e vinha fazendo estudos de “tiro curto”, acabei me desmotivando sem a perspectiva de uma prova próxima. Nos anos anteriores, meus estudos sempre se pautaram pelos concursos em que eu estava envolvido (DPE-PR e DPE-SP). Isso era bom porque eu mantinha o foco, mas me impediu de formar uma base mais sólida, que só o estudo de longo prazo proporciona. Sempre gostei do estudo de tiro curto, com prova à vista, porque era um estímulo para manter o foco, mas isso me gerou um déficit em algumas matérias e me impediu de ter um estudo mais sistemático.
Em 2017, percebendo essas deficiências, contratei o serviço do Vipjus. Como trabalhava, achei muito difícil cumprir os cronogramas e estava sempre atrasado, mas foi proveitoso para que eu formasse uma base mais consistente nas matérias centrais. Concentrei minhas energias no concurso do MP-SP naquele ano, mas fiquei na primeira fase por um ponto. Foi um golpe duro, que me gerou muitas incertezas sobre o caminho percorrido.
Em 2018, na iminência da abertura do concurso da PGE-SP, resolvi arriscar. Sem ter estudado antes para advocacia pública, me aventurei em matérias como direito do trabalho, processo do trabalho, direito financeiro, econômico, empresarial público e previdenciário. Apesar dessa dificuldade e da mudança de rumos, eu já tinha construído um alicerce firme nas matérias principais, o que me possibilitou focar nessas matérias peculiares. Passei a estudar em uma sala de estudos que funcionava 24 horas por dia na minha cidade e isso me permitiu estender meu horário até 23h, meia-noite; às vezes ia madrugada adentro. Consegui intensificar bastante minha rotina, o que foi crucial para avançar no concurso, embora o desgaste tenha sido muito grande. A rotina exaustiva valeu a pena e, dessa vez, superei a barreira da segunda fase. No final de 2018, fui aprovado na prova oral da PGE-SP. Uma grande vitória, que veio para compensar a frustração com o MPSP no ano anterior!
O resultado saiu em novembro de 2018. Como já estava inscrito no TJSP, fiz a prova, em dezembro de 2018, na “ressaca” da aprovação na PGE. Mesmo sem ter estudado especificamente, consegui transpor a barreira da primeira fase e resolvi encarar o desafio, sobretudo porque ainda não tinha sido nomeado na PGE-SP. Assim, dediquei 2019 ao concurso do TJSP. No dia 16/12/2019, saiu o resultado final da prova oral: consegui a tão sonhada e definitiva aprovação.
Quanto aos estudos, nunca fui organizado a ponto de fazer revisões periódicas ou de fazer meu próprio material. Não fiz resumos (os poucos que fiz, não li). Nunca segui cronogramas muito rígidos. Mas toda essa desorganização, que sempre foi um tormento na minha rotina, acabou compensada com muita disciplina e estudo diário. É preciso encarar o estudo como o seu verdadeiro trabalho. Por isso, costumo dizer que, mais importante do que métodos, cronogramas e estratégias, o que realmente determina uma aprovação é a disciplina. Estudar sempre é o segredo (com os repousos necessários para renovar as energias, claro). Os métodos e estratégias são importantes, ajudam, facilitam; podem encurtar a jornada. Mas costumo dizer que é caminhando que se aprende o caminho. Ninguém melhor do que você mesmo para perceber seus pontos fortes e fracos, o que funciona ou não, qual o melhor método. O tempo vai ensinando tudo isso se você persistir.
Sempre estudei de segunda a sábado. De segunda a sexta, estudava apenas no período da noite em razão do trabalho, normalmente entre 18h e 23h, avançando no horário em vésperas de prova. Aos sábados, começava a estudar por volta de 9h e ia até 15h, com pausa para o almoço. Depois, jogava futebol às 16h e tomava uma cerveja com os amigos. A atividade física e esse momento de descontração ajudaram muito a aliviar a rotina. Sábado à noite e domingo (salvo nos meses que antecediam as provas) eu ficava com a família e a namorada. É preciso dedicar algum tempo ao seu bem-estar e às pessoas que estão ao seu redor, compartilhando aquela estrada difícil com você. Isso é essencial para manter a saúde mental, sem a qual é impossível suportar a pressão das provas.
Outra coisa que me ajudava nos momentos de maior tensão era a meditação, que adotei (não com a frequência desejável) por influência da Lais, minha namorada. Há muitas meditações guiadas no youtube que podem ajudar muito a aliviar a ansiedade. Além disso, nos momentos de muito estresse, eu costumava ouvir uma música que me acalmasse. A que eu mais ouvi foi Luz do Sol, do Caetano Veloso. É uma prática simples, acessível e terapêutica, que ajuda bastante a acalmar os ânimos quando a tensão toma conta.
Por fim, e isso é o que eu reputo mais importante, o que realmente me ajudou a suportar a pressão foi a consciência de que estudar é um grande privilégio. É muito comum o relato das dificuldades pelas quais passaram os aprovados, o que é ótimo, pois os leitores percebem que as adversidades são inevitáveis. De fato, a rotina dos estudos é muito desgastante. Exige renúncias e sacrifícios. É assim para todos que se propõem a passar em um concurso difícil como o da Magistratura de São Paulo. Não existe caminho fácil e cada trajetória tem suas singularidades.
Mas gosto de atentar para esse aspecto que considero um pouco esquecido. Perceber-se como um privilegiado pelo simples fato de poder estudar é essencial para dar real valor a essa oportunidade tão rara, sobretudo em um país extremamente desigual como o nosso. Quando meu ânimo arrefecia e tudo parecia difícil, eu pensava em quantas pessoas dariam tudo para estar no meu lugar. Quando eu chegava para estudar no começo da noite, com a mente cansada, após um dia de trabalho, a maioria das pessoas estava encerrando a jornada e indo para casa descansar. Mas, tendo saúde e vitalidade, podendo me dedicar ao meu sonho, eu não podia esmorecer. Nessas horas, eu lembrava de quantas pessoas vivem em regiões de guerra e conflito; quantos vivem fugindo dessas regiões, deixando casa, trabalho e origens para trás; pensava nos refugiados, nos que não tem um teto para morar, uma terra para plantar; nas crianças com as quais eu me deparava diariamente nos semáforos da cidade. Ter essa lucidez, compreender as reais dificuldades do mundo, sempre foi, para mim, o antídoto contra qualquer lamentação. Não havia espaço para nutrir os pensamentos negativos que pudessem me ocorrer vez ou outra. Às vezes, superestimamos as dificuldades que se apresentam e, ao superá-las, nos envaidecemos demais com a vitória, o que pode ser uma grande armadilha. Por isso, eu vejo como fundamental a percepção de que, na realidade, poder estudar e lutar por um sonho é um privilégio inestimável. É nesse mundo desigual que vamos atuar e atentar para essa desigualdade é nosso compromisso. Somente com essa percepção é que podemos entender os nossos deveres fundamentais frente à sociedade no exercício cargo conquistado: é hora de retribuir.
Aos que estão na luta pelo sonho, minha mensagem é: sigam firmes! Persistam. Se cerquem de pessoas que ajudem, mirem nos bons exemplos, procurem o auxílio de profissionais sérios, honestos e comprometidos (como o Julio). Mas também sigam seus instintos, moldem seus próprios caminhos. Vai dar certo! E, quando a vitória chegar, lembrem-se de agradecer pelas oportunidades da vida. Um abraço a todos!
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