A trajetória de hoje é de Claudia de Abreu Monteiro de Castro, juíza do TJPR e aprovada para juíza do TJSP. O relato de Claudia é uma aula de autonomia: confiante na sua forma de estudar, escutava, mas não se rendia ao canto das sereias da posição dominante de como se deve ou não estudar. Assim, permitiu-se ler obras específicas, o que, sem dúvida, consolidou uma visão crítica, aprofundada e fora do espectro comum de concurseiro! E isso era visível na densidade do desenvolvimento de suas respostas nos treinos para a prova oral, nas quais demonstrou uma capacidade incomum para lidar com temas que exigem posição do candidato/razoabilidade/insight! É interessante destacar ainda que, com toda a humildade, Claudia reconhece como vivenciou a síndrome do impostor, mesmo indo para as últimas fases de concursos muito disputados (TJSP, TJPR, DPE-SP e, além disso, não tinha 3 anos de prática jurídica no MPMG). Agradeço muito pelo relato, Claudia!
É de peito cheio de orgulho e olhar marejado que eu conto um pouco da minha trajetória.
Comecei a estudar em agosto de 2016, iniciando minha caminhada por um curso anual de carreiras jurídicas. Terminado o curso, fiz minha primeira prova objetiva em casa, o TJSP 187. Fiquei 10 pontos abaixo de ser aprovada. A partir daí, corri atrás do corte. E foi assim durante alguns meses: me lancei num estudo profundo para a primeira fase, lendo sinopses e livros para concursos, fazendo questões objetivas e tentando tanto quanto possível ler lei seca. Só me lancei numa prova oficialmente quando achei que tinha técnica para ganhar a primeira partida.
Perdi o primeiro jogo. No TJRS, duas anulações me deixaram atrás do corte. Lembro que quando soube do resultado chorei por meia hora no banheiro do trabalho. Não deu muito tempo de ficar triste: na semana seguinte ao TJRS fui pra Minas fazer o MPMG, e na subsequente fiz o MPRJ, cuja primeira fase é escrita. Essa foi uma estratégia pessoal: queria ganhar ritmo de prova, especialmente de prova objetiva, uma vez que jogo é jogo e treino é treino. Eu queria jogar. Passei para a segunda fase do MPMG e do MPRJ.
Foquei no MPMG. Estudei tutela de direitos difusos e coletivos com afinco. Me sentia uma zebra que tinha ido para a semi-final. Não sei se foi erro ou acerto de estratégia, mas o que sucedeu foi o seguinte: passei na segunda fase do MPMG e reprovei na segunda fase do MPRJ, e logo em seguida reprovei com uma diferença considerável do corte na prova objetiva do TJMG. Ficou evidente que eu tinha desinteresse e preguiça de estudar para a primeira fase. Tornei a chorar horas no banheiro do trabalho. Um pouco por culpa, um pouco por me sentir injustiçada. Hoje vejo o quanto eu cresci e o quanto me faltou humildade nesta fase dos estudos.
Contemporânea à derrota no TJMG veio o edital do TJSP 188. Agradeci por ter reprovado em Minas, porque vi naquele momento uma oportunidade de consertar meu treino. Tornei a focar na prova objetiva, mas com ênfase absoluta nas matérias que tinha ficado abaixo do corte no TJMG. Feita a prova, mesmo com a possibilidade de ser excluída da segunda fase nos recursos, estudei para a segunda fase como se a aprovação fosse certa. Era a prova da minha vida.
Um adendo necessário. Estava aprovada para a fase oral do MPMG e não tinha os três anos necessários para a inscrição definitiva (completaria em agosto de 2019). Desisti do concurso para me concentrar na segunda fase do TJSP. Comecei a maravilhosa jornada por livros mais densos e não encostei mais nas sinopses. Foi quando se iniciou a fase em que mais desconfiei de mim mesma. Seria pega pelo meu próprio método, pensava, aflita de que estava fazendo diferente do tipo ideal de estudos para segunda fase.
Na sequência: fui reprovada na objetiva do MPPR; aprovada na discursiva do TJSP; aprovada na objetiva do TJPR; reprovada na objetiva do TJSC e aprovada na fase objetiva da DPE SP. Detalhe: toda a vez que eu terminava uma prova objetiva, tinha a certeza de que eu era uma farsa, de que não tinha futuro no mundo dos concursos. Sabia do meu potencial em provas escritas, mas a falta de constância nas provas objetivas fazia com que eu me sentisse uma candidata incompleta, que estava lá por obra do acaso. Como se a trajetória nos concursos tivesse um movimento único, linear e sempre para frente. Ledo engano.
Enquanto esperava o resultado da prova de sentenças do TJSP, fiz a segunda fase do TJPR e da DPE SP, com ênfase na Defensoria.
Foi um estudo muito engrandecedor. Estudar criminologia, sociologia, filosofia, direito penal e constitucional do avesso e por outros ângulos me deixou maravilhada. Li o primeiro volume do Direito Penal Brasileiro do Zaffaroni, Criminologia Crítica do Alessandro Baratta, Foucault, estudei direitos humanos. Sentia tanto prazer em estudar, em conversar sobre o estudo, em apender coisas novas e ficar fora da minha zona de conforto. Fiz a segunda fase da Defensoria feliz por tantas ferramentas novas para pensar. O que eu não sabia era que o estudo para a Defensoria me serviria para muitas outras provas, me tornando uma candidata crítica, curiosa e com profundidade em alguns temas espinhosos.
Numa tacada, estava aprovada para a prova oral do TJSP, do TJPR e da DPE SP. Entrei em parafuso. Vão me descobrir: fiz tudo errado! Mirei em carreiras diferentes, mudei de livros durante o percurso, li doutrinas fora daquelas indicadas para concurso. Seria desmascarada!!!
A preparação para a prova oral foi um verdadeiro desafio emocional. Eu oscilava entre momentos de confiança e momentos em que me considerava a zebra do concurso. Muitas e muitas vezes me fiz em mil pedaços, mas construí laços com pessoas maravilhosas pelo caminho, que me recolhiam, remendavam, e me deixavam mais forte. Existe uma técnica japonesa chamada Kintsukuroi em que as peças de cerâmica quebradas são reparadas com uma mistura de laca e pó de ouro. São objetos altamente valorizados porque são considerados únicos, imperfeitos de uma maneira própria, cheios de história para contar.
No final, numa mesma semana turbulenta, fiz uma linda prova oral no TJPR (terça), desisti da prova oral da DPESP (quarta), e fiz a prova oral no TJSP na quarta seguinte. Na quinta-feira estava aprovada no TJPR. Hoje sou juíza no Paraná e fui aprovada no TJSP.
O que eu quero passar adiante é a seguinte mensagem: não tenha medo de ser imperfeito, de ser diferente, de ser você mesmo. Seja genuíno, mas não marrento. Seja fiel aos seus valores, mas não cego ao ponto de impedir o diálogo. Deixe a porta aberta para que pessoas te ajudem: você não precisa fazer tudo sozinho. Expresso aqui minha profunda gratidão aos amigos que fiz pelo caminho. Que prazer que eu senti conhecendo gente de todo o Brasil, com histórias tão diferentes, vidas tão distintas, contextos tão antagônicos... Só cresci. Só aprendi... E sigo crescendo. E sigo aprendendo. Uma obra imperfeita sem qualquer pretensão de sentir-me um projeto exaurido.
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