Trago hoje a trajetória de Edvanilson de Araujo Lima (@edvanilsonaraujo), aprovado para juiz do TJRS. Como bem lembrou, Edvanilson é mais um daqueles "juízes improváveis": vindo do sertão do Nordeste, sem infraestrutura de energia, transporte e qualidade de serviços de educação, o concurso se lhe apresentou inesperadamente como meio de ascensão social, vencendo obstáculos visíveis e invisíveis. E certamente ganha muito a magistratura tendo, em seus quadros, alguém com esse histórico pessoal e sensibilidade. Obrigado e parabéns, Edvanilson!
A convite do amigo Júlio César de Almeida, compartilho com vocês um pouco da minha experiência em concursos públicos.
Antes disso, gostaria de dizer que sou um daqueles juízes improváveis: nasci e vivi na roça até os vinte anos de idade, em pleno sertão nordestino; minha educação básica (ensino fundamental e médio) foi sempre em escola pública, na qual faltavam não apenas professores (para demonstrar como era grave a ausência de docentes, basta dizer que cheguei a dar aula para a turma do quarto ano do ensino médio, embora fizesse ainda o terceiro ano), mas também até mesmo sala de aula física para estudar (chegamos a estudar ao ar livre, no próprio pátio da escola); o transporte de casa até a escola (2 kms) era a bicicleta do meu pai ou os meus próprios pés (até a quarta série) e depois, quando comecei a estudar na cidade (15 kms), servia-me de caronas (até a sétima série) ou de transporte escolar irregular (caminhão de carroceria aberta, sem grades, quando deveria ser ônibus). Para completar o cenário, além de falta de água (como é típico do sertão nordestino), minha casa sofria também com a ausência de energia elétrica, o que me obrigava a estudar à noite sempre sob a luz parda e fumegante de um candeeiro.
Com tudo isso, aprendi muito cedo que, como bem definiu Euclides da Cunha, “o sertanejo é, antes de tudo, um forte” (essa frase vinha estampada em muitos livros didáticos da época). Decidi então que seria médico. Todavia, enquanto estudava para o vestibular de medicina e para tentar melhorar a situação financeira, resolvi fazer meu primeiro concurso. Era para o cargo de técnico judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, no ano de 2005. Apesar da minha pouca idade (18 anos), fui aprovado dentro das 123 vagas entre os mais de 40 mil concorrentes. Nomeado em 2006, comecei a ganhar dez salários mínimos. Daí para frente tudo foi muito fácil, porque sobrava dinheiro não só para ajudar a família, mas também para investir com folga nos livros. Em 2008, ingressei no curso de direito da Universidade Federal de Goiás. Removido para o TRE-PE em 2010, concluí meu curso na Universidade do Estado da Bahia, no ano de 2013.
Entre 2014 e 2015, cheguei a dar aulas em curso de direito, após ser aprovado em primeiro lugar no respectivo certame. Vi, porém, que não seria possível conciliar tão relevante mister com o TRE-PE e, ao mesmo tempo, estudar para concurso. Em 2015, pedi exoneração do cargo de professor (decisão difícil). Some-se a isso que, entre 2010 e 2019, dei aulas para vários cursinhos da minha cidade, com vistas em regra a cargos de nível médio. No início de 2019, depois de ter estudado o que achava suficiente, voltei a dar aula em faculdade.
Sobre concursos de alto desempenho, fiz meu primeiro ainda em 2015: era exatamente para juiz do TJRS. Passei nas provas objetiva e discursiva. Reprovei nas sentenças. Segui adiante. Fiz na sequência o concurso 187 do TJSP. Passei na objetiva e reprovei na subjetiva com 5,8 (doído). Continuei firme estudando. Entre 2017 e 2018, passei na primeira fase para juiz federal nos três concursos que fiz: TRF2, TRF3 e TRF5, mas reprovei em todos na discursiva. Paralelamente, vinha sendo aprovado nas sucessivas fases do TJRS. No final de 2018, fiz novamente o TJSP. Dessa vez, saí de 79 pontos no 187 e fui para 91 pontos no 188, ficando em segundo lugar na prova objetiva (um colega fez 92). Senti que estava perto. Em 2019, obtive êxito nas discursivas e nas sentenças do TJRS e TJSP. No primeiro passei na oral na semana passada, enquanto aguardo o resultado da mesma prova no segundo (previsto para meados de dezembro). Ao mesmo tempo, fui para a oral do TJBA. Enfim, a vida de quem passa é feita de derrotas e vitórias! Se eu pudesse resumir, diria que a vitória decorre de RENÚNCIA e PERSISTÊNCIA!
Sobre método de estudos, acredito que cada um tem o seu. Pessoalmente, sempre busquei estudar doutrina, lei seca e jurisprudência, nesta ordem. Perto das provas objetivas, lia o máximo possível de lei seca e jurisprudência. Para as discursivas, lia também alguma doutrina mais substanciosa (exemplo: Sarmento em constitucional, Di Pietro ou Celso Antônio em administrativo, algum livro do examinador etc.). Quanto a sentenças, é preciso prática (realização de simulados), até a aquisição de uma técnica própria de sentença cível ou penal (depois disso é só perda de tempo e dinheiro, na minha humilde opinião). Já a prova oral requer sem dúvida a realização de cursos específicos (fiz o do amigo Júlio e também o da Ajuris, que foram suficientes).
Por fim, deixo uma palavra de alento: ainda que suas dificuldades sejam maiores que seus sonhos, não desista. Se você renunciar e persistir, sua hora chega, assim como a minha chegou.
Abraço a todos!
P.S.: tenho esposa e dois filhos, de 11 e 5 anos, o que não é empecilho nenhum!
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