Hoje trago o texto da grande amiga Samara, juíza do TJSP e ex-juíza do TJRS. Nós passamos pelos dois concursos juntos. Vivenciamos todas as angústias das duas provas (no TJRS, com a suspensão do concurso antes da prova oral, e no TJSP, conciliando com a carga de trabalho muito cansativa do início de carreira na magistratura). E fui testemunha ocular de tudo o que a Samara disse no texto: a aprovação não é o fim de nossos problemas. Significa, evidentemente, a conquista de independência e estabilidade financeira. Mas a vida não se resume a superar problemas com a conta bancária. No meio dos concursos, escutei muitas vezes pessoas dizendo que "faria concurso para qualquer lugar", não importando o quão distante da família.
Ser aprovado em concurso dará realização FINANCEIRA e, caso tenha sincero interesse na função, realização PROFISSIONAL. A realização PESSOAL é, por vezes, deixada de lado. A maior parte das carreiras está significativamente engessada, ou seja, demora-se muito para se aproximar de grandes centros. Não há ainda permuta nos MPE's, nas magistratura estaduais e nas DPE's. Enfim, a aprovação em concurso impõe, de certo modo, uma cultura "nômade" para a qual muitas vezes não estamos adaptados. A estrutura de trabalho pode não ser a ideal. E algumas carreiras de Estado ainda impõem maior cautela na segurança e nas relações pessoais (muitos se aproximam por interesse), o que, em última análise, pode favorecer o isolamento, relatado por Samara. Essa leitura não idealizada é importante para ajudar a embasar decisões pessoais (de limitar a distância geográfica admissível, por ex.), profissionais (de escolher carreira pela qual tem sincera admiração) e a ser grato. A rotina de estudos pode ser cansativa - e é -, assim como a autonomia financeira pode ser limitada, mas, em muitos casos, estamos estudando perto de pessoas que amamos e na região onde temos raiz. Como a Abby (que foi juíza no TJRS conosco e é juíza federal do TRF-2 hoje) falou no último post: "é preciso resgatar a gratidão. Quando a adotamos como hábito, colocamos em perspectiva todos os nossos problemas. Não nos tornamos imunes a contratempos, mas alcançamos a habilidade de enfrentá-los com mais serenidade". Parabéns e obrigado por tudo, Samara!
Olá pessoal! Me chamo Samara Eliza Feltrin. Atualmente, sou juíza substituta do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Anteriormente, fui aprovada no concurso da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul, tendo lá exercido a jurisdição por um ano.
O Júlio me pediu gentilmente para conversar com vocês sobre a vida pós-aprovação.
Muitos pensam que, com a aprovação, a vida está ganha. Que o mais difícil já passou.
Eu também pensava assim... rsrs... Afinal, são muitas horas gastas com estudos; é necessário abrir mão de muitas coisas, como vida social, convívio com a família e amigos, relacionamentos, enfim, as limitações são as das mais diversas.
Eu bem sei. Trabalhando e estudando desde o primeiro ano da faculdade, tempo livre nunca foi algo que eu realmente tive. Inclusive, brincava com meus amigos concurseiros que nem saberia o que fazer com ele.
Após muitos anos de estudos, finalmente obtive a tão sonhada aprovação na Magistratura Estadual do Rio Grande do Sul.
Sendo do interior do Paraná, morar no Rio Grande foi uma experiência interessante, por assim dizer.
A primeira coisa que vocês precisam ter em mente é a dificuldade que a distância traz.
No meu caso, estava em um estado novo, com costumes, cultura e até vocabulário bem diversos dos meus. Para completar, fui designada para jurisdicionar a 1ª Vara Criminal, Tribunal do Júri, Execução Penal e Corregedoria do Presídio da Comarca de São Borja, fronteira com a Argentina.
E mais: estava morando pela primeira vez sozinha, a uma distância de 15 horas de carro da minha casa, e, para completar, em um hotel! Então pensem como o começo não foi fácil! Hehe.
Verdade seja dita: tive vontade de chorar todos os dias da primeira semana.
Tudo acontece ao mesmo tempo: advogados querem se apresentar (e peticionar); as autoridades locais querem lhe conhecer; você precisa dizer olá ao promotor e defensor público; aprender o nome dos servidores, ganhar a confiança deles e rezar para que não te achem o ser mais incompetente do universo!
Mas, eu garanto, se você sobreviver ao começo, tudo se ajeita. Quando você menos espera, já conhece os servidores por nome e, acredite, eles vão lhe ajudar, vão estar ali por você e não vão permitir que você faça besteira. Posso atestar isso porque tive experiências maravilhosas, tanto no RS, quanto em SP, na minha atual comarca, e sou imensamente grata a eles por tudo o que aprendi.
Claro, problemas sempre vão existir.. eles fazem parte de qualquer carreira. O que eu posso aconselhar é sempre manter a calma, refletir com cautela, pedir a opinião de quem seja mais experiente e em quem você confie. Erros sempre vão existir. O que podemos fazer é trabalhar com afinco, disciplina e humildade.
Além disso, o início da carreira te obriga a conhecer os outros, e, especialmente, a você mesmo. Você se conhece como chefe, profissional, colega e ser humano.
As críticas serão virão: para alguns, você será muito rígido; para outros, muito clemente. Saber lidar com elas e não se deixar abalar é um dom que vem com o tempo; criar uma “couraça”, às vezes, é necessário.
Outro ponto que eu acho necessário destacar, especialmente para aqueles que, como eu, embarcaram nessa nova fase sozinhos, é a questão da solidão.
A magistratura, mais do que qualquer outra carreira jurídica, impõe um comportamento mais reservado. O peso do cargo somente pode ser entendido por aqueles que compartilham da experiência. Se o magistrado(-a) possui um companheiro e/ou uma família que o acompanhe, o impacto tende a ser menor.
Se esse não é o seu caso, saiba que a solidão pode chegar e se abater sobre você. Meu conselho: conte com sua família (mesmo se estiver longe), não se esqueça dos seus verdadeiros amigos, ame a si mesmo e à carreira que você escolheu. As coisas se ajeitam com o tempo.
Eu sei que até aqui as coisas não parecem muito promissoras... vocês devem estar pensando: “onde eu fui me meter”?! rsrs...
Quero dizer que a aprovação também me trouxe experiências maravilhosas!
Conheci pessoas muito especiais, colegas de profissão e amigos de alma, que vou levar para todo o sempre.
Morei em cidades enormes e em pequenininhas; conheci novas pessoas e vivi experiências fantásticas; enfrentei medos e os venci (a 1ª audiência e o 1º júri a gente nunca esquece); cresci como mulher e me vi como magistrada, o sonho que muitas vezes parecia tão longínquo.
Passei a ter independência financeira e a construir novos sonhos.
Enfim...
Se você ainda está me acompanhando até aqui, de tudo o que eu disse, se pudesse resumir, seria: a aprovação no concurso público dos seus sonhos é apenas o livro 1 da sua história. A continuação é cheia de altos e baixos, assim como é a vida. Desde que tenhamos humildade e coragem, tudo dá certo.
Não ache que a aprovação vai te trazer felicidade. Você precisa ser feliz todos os dias, desde já. Estudar, trabalhar, estar com sua família e seus amigos. Tudo isso tem que te fazer feliz.
Demorei para aprender essa lição (meus amigos bem sabem). Achava que a aprovação seria minha tábua de salvação (não será!).
Por isso, também, acredito piamente que a carreira escolhida precisa vir acompanhada de vocação. Se você não amar o que faz, se não puder rir com os pequenos divertimentos que sua rotina de trabalho trará, você estará fadado à tristeza e à depressão.
Essa é outra coisa boa que a aprovação traz: a possibilidade de exercer a função que você ama. No meu caso, poder servir à comunidade e resolver os problemas, por menores que sejam, concretizando a Justiça e fortalecendo as instituições.
Espero que essas palavras, por mais duras que possam parecer, sirvam de encorajamento e reflexão. Tendemos a ler apenas o 1º livro da coleção, mas a história tem uma continuação, muito mais colorida e vívida. Acreditem!
Boa sorte a todos. Não desistam. Não desanimem. A aprovação chega aos que perseveram e acreditam.
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